“E chegou a Betsaida; e
trouxeram-lhe um cego, e rogaram-lhe que o tocasse. E, tomando o cego pela mão,
levou-o para fora da aldeia; e, cuspindo-lhe nos olhos, e impondo-lhe as mãos, perguntou-lhe
se via alguma coisa. E, levantando ele os olhos, disse: Vejo os homens; pois os
vejo como árvores que andam. Depois disto, tornou a por-lhe as mãos sobre os
olhos, e o fez olhar para cima: e ele ficou restaurado, e viu a todos
claramente. E mandou-o para sua casa, dizendo: Nem entres na aldeia, nem o
digas a ninguém na aldeia”
(Marcos 8:22-26).
Para esse segregado de Betsaida se cumpriu na íntegra o que foi dito
pelo profeta: “O povo que vivia nas
trevas viu uma grande luz; sobre os que viviam na terra da sombra da morte
raiou uma luz” (Mt 4:16).
A cura da cegueira é sempre um evento carregado de significado místico.
Trazer a percepção da luz a um cego é um milagre que sempre está ligado a
revelações de verdades muito profundas, que excedem a abordagem do plano físico
apenas.
Para realizar o milagre em Betsaida, Jesus tem todo um protocolo que
diferencia esse milagre dos demais. Tudo começou com Jesus retirando o cego da
região central daquela aldeia. Afinal, o mistério que iria ser revelado não era
para ser percebido por multidões, mas sim por um seleto grupo de iniciados no
conhecimento dos mistérios.
"Os lábios da sabedoria
estão fechados, exceto aos ouvidos do Entendimento" (Hermes Trimegisto).
Durante os milênios que antecederam os dias de Jesus, os Mestres se apoiavam
nessa máxima do Hermetismo para disseminar suas revelações. O conhecimento
deveria ser protegido, para que não caísse em mãos erradas.
Todas as vezes que a humanidade reuniu suas informações em livros e
compêndios significava que naquele momento histórico havia uma perda
significativa de interesse por parte dos discípulos.
Por falta de discípulos com os ouvidos sedentos, os Mestres ‘profanavam’
o mistério e reunia a revelação em pergaminhos.
Na tradição oral o ensinamento não era banalizado e as revelações eram
passadas de boca a ouvido, em um sistema hermeticamente fechado.
Os Mestres evitavam reunir mistérios antigos escrevendo-os em livros e
compêndios. Esses mistérios sempre foram protegidos daqueles que o buscavam
somente com o propósito de se beneficiarem egoisticamente. Para a proteção
desses mistérios sempre existiram almas fiéis que guardaram os segredos,
defendendo-os com a própria vida, se preciso fosse.
Finalmente quando os mistérios foram escritos, seu significado foi protegido
por inúmeros véus, de modo que somente os ‘escolhidos’ pudessem entendê-lo com
profundidade.
Basta ler superficialmente os livros do Antigo Testamento para perceber
que nas entrelinhas do texto existem mais informações do que no texto propriamente
dito.
Na medida em que um texto reunia uma grande soma de mistérios, maior
quantidade de véus eram lançados sobre o significado; perceba isso lendo os
escritos de Ezequiel e Daniel.
Os profetas anunciavam eventos e mistérios que somente seriam
descortinados para os ouvidos preparados e dignos de sabê-los. Não somente os
escritores do Antigo Testamento, mas também os do Novo, trilharam pela mesma
senda, e o Apocalipse de João é um exemplo perfeito da forma como os escritores
de mistérios escondiam a verdade daqueles que não eram convidados a conhecê-la.
Jesus, a exemplo dos antigos mestres trilhou o mesmo caminho e reteve a
revelação, entregando-a apenas aos ouvidos de seus discípulos. “Então os discípulos chegaram perto de Jesus
e perguntaram: - Por que é que o senhor usa parábolas para falar com essas
pessoas? Jesus respondeu: - A vocês Deus mostra os segredos do Reino do Ceu,
mas, a elas, não. Pois quem tem receberá
mais, para que tenha mais ainda. Mas quem não tem, até o pouco que tem lhe será
tirado. É por isso que eu uso parábolas
para falar com essas pessoas. Porque elas olham e não enxergam; escutam e não
ouvem, nem entendem. E assim acontece
com essas pessoas o que disse o profeta Isaías: ‘Vocês ouvirão, mas não
entenderão; olharão, mas não enxergarão nada.
Pois a mente deste povo está fechada:
Eles taparam os ouvidos e fecharam os olhos. Se eles não tivessem feito isso, os seus
olhos poderiam ver, e os seus ouvidos poderiam ouvir; a sua mente poderia
entender, e eles voltariam para mim, e eu os curaria! — disse Deus.’ Jesus continuou dizendo: — Mas vocês, como são felizes! Pois os seus
olhos veem, e os seus ouvidos ouvem. Eu
afirmo a vocês que isto é verdade: muitos profetas e muitas outras pessoas do
povo de Deus gostariam de ver o que vocês estão vendo, mas não puderam; e
gostariam de ouvir o que vocês estão ouvindo, mas não ouviram” (Mt 13:10-17).
Os mistérios guardados por séculos poderão ser revelados hoje, mas ainda
sob a mesma condição: os ouvidos do estudante devem estar sedentos para ouvir,
a boca deve estar preparada para se calar, os pés devem estar prontos para
caminhar, as mãos devem estar educadas para doar, o coração deve estar vazio
para receber e a mente deve ter disposição para atingir a transcendência. Se
assim for, os lábios da sabedoria virão.
Cesar de Aguiar
teolovida@gmail.com
retirado do livro CRIAÇÃO DESVENDADA
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